Um Dalponte troca a advocacia pelo ofício do avô na produção da farinha de milho e mantém a história da família que deixou a Itália em 1899
O programa Aqui é meu Lar da Rádio Miriam Caravaggio 95,7 FM, conversa com Fernando José Dalponte. O programa desse ano tem como proposta, a imigração italiana, nos seus 150 anos, no Rio Grande do Sul, contando histórias de famílias que migraram para o Brasil. Tema: “Protagonistas de uma história de sofrimento, coragem, fé, esperança e conquistas”. Assim, as pessoas entrevistadas são os protagonistas, é a história viva da imigração italiana. O programa tem uma parceria com a TV Serra e Jornal O Farroupilha.
Fernando José Dalponte é quem vai contar a história da família. Começa dizendo que seu tataravô, Santo Dalponte, saiu de Belluno, na Trichiana, uma comuna italiana da região do Vêneto, na Província de Belluno. Isso em 1899, quando veio para a região da Sertorina. Seu avô, José Dalponte, nasceu na Sertorina, era empreendedor em Olarias e agricultura. Sua avó, Maria Magdalena Bianchi, da cidade de Trichiana, em Belluno, era da família Bianchi. De uma região próxima a Caravaggio, mais para o sul e nordeste da Itália, onde está a história da aparição de Nossa Senhora de Caravaggio, La Madonna della Fonte.
“Então, eu descobri, estive lá o ano passado e a gente viu o local, viu tudo, e nossos parentes Bianchi estão lá. E eu descobri que o pai da minha avó, era moageiro lá. Já tinha na genética a moagem de grãos, lá em Caravaggio, na Itália”, resgata. Essa geração parece estar relacionada ao Moinho. São 81 anos de uma história que, começou com os avós de Fernando, em 1944, com um pequeno moinho, que moía na pedra e persistiu até os dias atuais.
Fernando descobriu que os descendentes por parte da avó, vieram para o Brasil e também se instalaram na Sertorina. Porém, quando saíram da Itália foram para o Espírito Santo e de lá, desceram para o Rio Grande do Sul. Tempos depois seus avós se conheceram no Buratti onde já viviam os Dalponte. Em 1944, compraram a atual propriedade, que acabou sendo herdada pela atual geração. “Aqui estamos hoje nessa profissão, que não é só uma profissão, é uma genética nossa. A família Dalponte, claro, tem outros primos e irmãos, talvez eles não tenham tido essa genética tão forte para ficar aqui no Moinho. Cada um teve uma profissão, mas todos têm um amor imenso por esse empreendimento, para essa cultura de produzir farinha de milho”, observa Fernando.
Para ele é possível que aquele grupo que pelo navio chegou a Nova Milano, tenham encontrado alguns parentes e posteriormente seguiram para outras regiões, entre elas, a Sertorina. Foram se expandindo, não permanecendo só em Nova Milano, mas uma migraram para uma nova terra, que foi o Buratti. Essa área pertencia ao coronel de exército, com o sobrenome, Buratti. As glebas eram divididas em colônias: colônia de Nova Sardenha, Santi Inácio e Sertorina.
Ele acredita que possivelmente essas eram localidades mais acessíveis, onde conseguiram se instalar em suas terras e próximas de alguns parentes. Seu avô viveu da agricultura, começou com parreirais, gado, suínos e uva, que era a cultivar principal. Mas havia ainda as plantações de subsistência como feijão, milho, batata e outros. O pai tinha mais quatro irmãos e duas irmãs, que permaneceram por um tempo no Buratti, mas quando se casaram, uma irmã e um irmão, saíram para outra cidade. Porém, uma de suas tias ficou, a única da família que ainda está viva, ela nunca casou, está com 90 anos.
O seu pai Ayrton José Dalponte, casou com Ivani Razzera, também do Buratti, cujos descendentes vieram de Mel, uma comuna italiana da região do Vêneto, na Província de Belluno. O pai de Fernando teve parte da atividade na agricultura, mas não era uma área muito extensa. “Ele nasceu praticamente aqui dentro do Moinho, ele sempre trabalhou dentro do Moinho”, conta. O Moinho foi criado pelo seu avô, que já havia começado em 1944. Ayrton Dalponte se apegou ao ofício e se envolveu com amor e se transformou no moageiro oficial do Moinho.
Ainda existe na propriedade a barragem que foi construída pelo seu avô e que fopi usada para mover o primeiro Moinho de pedra. Em 1950 ele construiu o prédio onde ainda funciona a engrenagem, não só a roda da água, mas também uma turbina. Não existia energia elétrica na época, então, foi improvisada uma usina, cujo dínamo produzia energia para a família e vizinhos. Porém, em horários programados durante o dia e noite.
O Moinho começa triturando milho e trigo, mas para subsistência das famílias clientes, pois possuía licença para produzir a farinha apenas em âmbito familiar, não havendo um documento para vender no comércio. Fernando conta que na época foi instituído o trigo-papel, um documento que significava a licença para os moinhos menores, produzirem em quantidade e venderem em Farroupilha. Seu avô que tinha esse documento começou comercializar na cidade algumas sacas de farinha, até que um colega de atividade fez uma proposta para comprar a licença. Houve acordo e acertaram o negócio, porém, com o compromisso de que ele produzisse farinha de trigo, enquanto Dalponte seguiriam o segmento de farinha de milho somente. O acordo foi cumprido por ambos.
O comprador do documento também manteve o acordado, o tempo passou e ele foi crescendo e se tornou um dos maiores produtores de farinha de trigo do Brasil, atuando ainda no segmento de alimentos. Trata-se da Tondo, produtor da farinha Orquídea. “Sim, tem uma história, uma história gigante, lindíssima, eles trabalham com o setor de trigo, claro, e nós trabalhamos com o setor de milho. Muito amigos, tranquilo, mas estamos aí”, recorda. O Tondo se estabeleceu no interior de Bento Gonçalves, com seu primeiro moído.
Fernando conta que quando ainda criança, seus pais o colocavam ele dentro de um bercinho e o pequeno menino passava o dia todo dentro do moinho enquanto os pais trabalhavam. “Sempre digo, me criaram nos sacos de milho. Era um nanar, dormia ali e fui crescendo. E na adolescência já comecei a sair pra rua com o meu tio também, fazendo entregas. Fui aprendendo muito no maquinário. Eu sempre fui muito curioso e querendo evoluir, aprender mais coisas”, admite.
Fernando acredita que a escolha pela profissão, pode ser graça de Deus. “Sabe isso aí é muito difícil, é algo de Deus que manda na gente. Eu me formei em Direito e a Administração de empresas e comecei ser senhor de si. Eu estava me preparando para ser juiz, estudando para a prova da AJURIS, para ser juiz. E aí começaram as doenças da família, meu pai adoeceu muito cedo. Porque aqui até então tinha três irmãos, colegas de trabalho, não tinha muito espaço para mim, eu não via muito espaço aqui. Meu pai tinha cinquenta e poucos anos, era jovem. Então disse, vou tocar a minha vida e depois a gente vê. Foi indo, acontecendo, meu pai adoeceu e em três meses partiu. Meu tio que também administrava o negócio, faleceu logo depois. Ele me dizia, olha, tu é a única pessoa que tem o dom para ficar no Moinho, tu que sabe, se não ficar, dificilmente vai prosperar aqui, porque nós estamos indo, a geração está passando. Então decidi, tudo bem, vou seguir com amor”, confessa.
Fernando confessa que a partir daí mudou radicalmente seus planos, deixou um futuro profissional do Direito, para se tornar o proprietário do Moinho Buratti, mas com muito orgulho e com convicção. Cursou Administração e assumiu definitivamente o negócio. Claro, sempre contou com o apoio do irmão Marcos e do amigo Hermes, que também tem uma história no Moinho. “Fomos atrás, evoluímos no mercado, buscamos novos mercados, novos produtos e hoje graças a Deus, a empresa está consideravelmente bem e cresceu bastante”, orgulha-se.
Mas tomar a decisão para Fernando não foi tão fácil. “Isso pesou muito, que nem a gente disse, é alguma coisa que vem de cima, não sei, porque realmente hoje muitas vezes eu digo, principalmente aqueles dias que a gente está cansado, sabe, com problemas na rua, estresse, cliente, coisa assim, que acontece com uma empresa. E eu digo, pô, se fosse um juiz talvez, mas tu teria outros problemas. Então, isso é um dom e eu sou feliz hoje. Não me vejo em outro segmento, em outra área, eu gosto daqui, a gente prospera, tenta todo o dia renovar os ânimos e dar gás na turma. Eu vejo meu irmão médico que está feliz, os primos médicos também estão felizes a outra prima trabalha como professora e está feliz também, então acho que se a gente se dedicar com amor e com fé, tu monta tua profissão”, aconselha.
Fernando tem 46 anos, casado com Patrícia Bertolo, em breve será pai pela primeira vez, seu filho está no sexto mês de gestação. Ele brinca que pode estar nascendo outro munheiro, mas prefere deixar a vontade Deus. Quanto ao Moinho ele sempre entendeu como negócio, mesmo quando os clientes vinham a cavalo e amarravam os animais no palanque em frente ao prédio, enquanto a moagem era preparada. “Era um negócio né, tinha que ter a renda para poder tocar”, justifica. Fernando lembra que quando criança pedia para donos dos animais para permitir dar uma volta com o cavalo.
Hoje Fernando não tem dúvida que o moinho, aos 81 anos de fundação, é uma empresa de milho consolidada, uma indústria de alimentos, que segue todas as regras, como controle de vigilância, legislações e documentação. “Em fim, tudo tem que estar em dia, por se tratar de um produto que vai para a mesa das pessoas. A gente sempre fala para os colegas de trabalho, esse pacotinho aqui, que eu pego na mão, será que vai cair na mão de quem? Quem vai consumir esse pacote de farinha? É algo assim, fantástico. Tu saber que está produzindo”, orgulha-se.
A farinha Buratti chega aos mercados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Matogrosso e São Paulo. “Então, pode estar caindo lá no norte do Matogrosso, é uma responsabilidade imensa e gratificante. Receber o feedback de muitos clientes, comprei tua farinha aqui no norte e tal, longe, é maravilhoso, é algo fantástico. É difícil? Sim, não é fácil, é desafiador todo dia”, admite. Para ele é um desafio novo diariamente, controlar a chegada da matéria-prima, passar no laboratório, conferir se está tudo em dia, gerenciar o sistema de produção, organizar a logística, atender o cliente final, administrar as vendas, são algumas das tarefas regulares da empresa. “É segmentado e complexo, mas tendo amor e fé, fica mais fácil”, acredita.
O que norteia o trabalho no Moinho Buratti é o fato de ser uma empresa que tem sucessão, começou com o avô de Fernando, depois com o pai e agora com o neto. Já é a terceira geração sempre fazendo farinha e mantendo a tradição, mas com inovação. No momento está oferecendo ao mercado a farinha pré-cozida e o mais novo lançamento é o flocão, uma produção própria para fazer o cuscuz. Fernando promete que vem novidades pela frente. “A filosofia nossa, desde o meu avô, nas palavras dele dizia, fazer direitinho e bem feito. Então, desde as primeiras palavras que a gente ouvia do avô, é fazer direitinho, bem feitinho e respeito ao consumidor”, defende.
A empresa mantém a qualidade com a compra de milho especial, que vem de algumas regiões do país. A preocupação é ter um milho capaz de produzir uma farinha forte e resistente. Já o sistema de moagem mantem-se em segredo da empresa. “As máquinas estão reguladas com amor para trabalhar, aí tu consegue fazer a diferença. Não é de qualquer forma”, assegura. O moinho Buratti não produz farinha de milho em série, em volumes, é em quantidade menor, aquilo que dá para produzir e vender. O processo de produção passa pela extração do óleo do grão do milho, onde é extraída a maisena e depois a película. Isso exige que sejam grãos de extrema qualidade.
Por outro lado, Fernando garante que é uma opção da empresa não usar produto químico na farinha para conter possíveis predadores. Para isso, uma das regras é cumprir a validade de seis meses, sem precisar usar produtos tóxicos nas embalagens para conservar o produto. Assim atinge uma farinha 100% natural. “A gente só trabalha o controle da umidade e temperatura. É um produto estritamente natural. Isso que a gente recomenda para qualquer público ou qualquer pessoa”, garante. A farinha é produzida a partir de um único tipo de milho para evitar contaminação. Tem parceria com empresas que beneficiam uma parte do grão, que trabalham somente com uma variedade de milho. Para não ter contaminação cruzada e não chegar um produto que esteja diverso.
Hermes Demar
É um dos funcionários mais antigos, mais de 40 anos trabalhando no Moinho Buratti, ou seja, mais da metade da trajetória, chegou com 18 anos de idade. Na época colhia uva e se encontrou com o tio do Fernando, em Farroupilha. Hermes conta que foi questionado se queria trabalhar no Moinho. “Aí, de lá para cá, eu vim trabalhar com eles, tinha ainda o nono vivo, todos aí. Comecei trabalhando com eles e até hoje estamos aí. O pai do Fernando era uma pessoa que entendia em tudo no Moinho”, conta. Para ele, o pai de Fernando conhecia o ofício e lhe ensinou muito sobre a atividade. “Isso aí fui aprendendo no dia a dia”, garante.
Hoje uma de suas funções é acompanhar a moagem até o empacotamento e embalagens, ou seja, de ponta a ponta. “Sempre gostei. Não tem maior alegria do que o cliente chegar e dizer, bah, que compra que eu fiz, que farinha boa. Toda a pessoa que vem comprar elogia. Elogiam a limpeza também. Então, todo dia você acorda motivado para vir trabalhar toda a manhã”, orgulha-se.
Fernando fez questão de pedir para Hermes dar seu depoimento. Afinal, são 40 anos convivendo dentro da mesma empresa. Fernando tinha sete anos quando Hermes chegou, por isso o considera como se fosse seu pai. “Começamos juntos essa trajetória. Eu vejo que o Hermes, tem muitos pontos positivos aqui dentro. Ele entende tudo, conhece a nossa família. Ele viveu com a nossa família. Então, é uma pessoa muito honesta e querida. Tudo de bom. Por isso que ele tá aqui também hoje. Ele é considerado, não só um colaborador, mas um irmão nosso. Eu sempre digo, Hermes, isso aqui é nosso. É nosso. Estou tocando pra frente, é nosso aqui. Como recompensa, no final do ano fiz uma homenagem dos 40 anos de empresa, surpresa pra ele”, elogia.
O Moinho segue à risca a tradição da família. Quando tem um lançamento de produto, primeiro vai para a mãe (nona Evanir com 76 anos) para saber se ela aprova ou não. Ela faz a polenta e verifica se está tudo certo, depois é que inicia a produção. Claro, tem todos os ciclos, mas é indispensável a aprovação em casa, diz Fernando. Outra peculiaridade dos produtos Buratti é a utilização do milho com selo livre de transgenia. Mesmo a farinha tendo 1,5% só, precisa ser rotulada. “É um produto extremamente saudável que está evoluindo. Se a gente puder observar na história do milho, da polenta, são fases. Teve aí uns 20 ou 30 anos, que começou a ser um pouco depreciada. O pessoal dizia, polenta, polenta? Hoje não, hoje ela subiu de novo, ela está nos melhores restaurantes, nas melhores grifes também, como um produto de primeira linha. Com certeza em alguns lugares a gente vai nos menus dos cardápios e diz assim, creme de milho é polenta? É polenta. É um charme, para falar a verdade, é polenta”, garante.
Cultura italiana
Fernando tem uma identificação muito forte com o talian, apresentou também o programa Come Noatri, No Ghgê Altri, quando o Ricardo Ló (in memoriam) se ausentava em alguns momentos. Ele aprecia a cultura italiana, que é considerado uma jóia que ainda temos na cultura italiana. Ele agradece o Leandro Adamatti, que é uim dos cultivadores da cultura italiana. “Por isso que eu te digo os parabéns e continuo, cada dia vou te defender por ter dado seguimento ao trabalho do nosso querido Ricardo, que partiu. Mas enfim, tu assumiu o dia seguinte dele. O Ricardo sempre foi muito querido e ele fomentava muito também essa cultura. E nós temos a genética italiana, nasci no meio disso aí. Gostei sempre, começamos a cantar com jov ens aqui do Buratti, nossos amigos da nossa idade, nós tínhamos um conjunto de músicas italiana que íamos fomentar essa cultura por aí. O Ricardo, nos programas da Rádio Miriam, nas suas férias ele me ligava, ó Fernandinho, eu tô indo de férias no mês de janeiro, fevereiro, te vira. Faça o programa, é contigo, viu. Ele dizia, era assim. É contigo, te vira”, lembra.
Fernando conta que fazia o programa com prazer, convidava outras pessoas para lhe ajudar.”Agente não diz que não, se um dia alguém precisar uma ajuda, com certeza. Estamos aí sempre fomentando o italiano. Gosto disso, quero que as pessoas venham cultuando isso cada vez mais. Tem outras rádios, outros locais também. Esses encontros italianos são maravilhosamente bons. Farroupilha teve pessoas muito importantes que já partiram, outras estão aí. Acredito que nossa cidade, junto com Nova Milano, que tem o nosso Entrai, que é uma festa direcionada, vá manter por muito tempo essas raízes, essa cultura que a gente tem de fomentar a Itália”, acredita.
“Esse clima de comunidade ainda perdura por aqui, vida mais do interior. Claro, tem problemas por todos os lugares, com certeza, agente sabe disso. Mas, enfim, é gratificante, é um lugar bom de morar. E você vê que tá crescendo o Buratti. Então as pessoas buscam isso também, se refugiar aqui no interior. Pessoas que vêm passar o fim de semana, que vêm toda noite dormir aqui no Buratti. São sítios, coisas assim, é gratificante, é legal. E que Deus nos permita ficar até o fim da vida nesse local”, conclui.
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